Exposição resgata o legado da poeta negra e sua contribuição para a cultura goiana, que teve sua história apagada em Goiás. Leodegária foi precursora da literatura feminina no Estado, expoente na luta pela igualdade de gênero e fundadora do semanário A Rosa, na Cidade de Goiás, em 1907, juntamente com Cora Coralina, Alice Santana e Rosa Godinho
VÂNIO LIMIRO
No Brasil a regra é o esquecimento de grandes vozes negras, o seu embranquecimento, ou o seu total apagamento da história. Grandes nomes de expressão literária negra do passado estão entre os ignorados pela crítica e pelo meio acadêmico.
Entre estes grandes nomes está a poeta Leodegária de Jesus, que sofreu de um apagamento injustificado e que, de certo modo, ainda persiste nos dias de hoje. Porém, parece ter surgido em Goiás uma oportunidade de quebrar esta regra.
Mulher negra, intelectual e poetisa, Leodegária de Jesus é considerada a precursora da literatura feminina no Estado, expoente na luta pela igualdade de gênero e fundadora do semanário A Rosa, na Cidade de Goiás, em 1907, juntamente com Cora Coralina, Alice Santana e Rosa Godinho
Em comemoração aos 135 anos de nascimento da escritora, jornalista e intelectual, e com o objetivo de homenagear a mulher que abriu as portas da literatura goiana, o Museu das Bandeiras recebe a exposição ‘Entre Lyrios e Orchideas, a pássara ferida’, até o dia 30 de dezembro, de terças, domingos e feriados, das 9h às 13h e quartas a sábados, das 9h às 19h, com entrada gratuita.
A mostra reúne reprodução de documentos, fotografias, poemas, certificados de títulos, que retratam o enfrentamento ao racismo e machismo na época do coronelismo goiano. O espectador poderá conferir a reprodução de imagens da mulher negra e escritora com publicações relevantes sobre o cotidiano, sobre o amor, sobre a realidade de um contexto social de um Goiás de 120 anos atrás.
Composta por aproximadamente 25 peças, que incluem manuscritos, cartas, exemplares das duas obras que publicou: Coroa de Lírios (1906) e Orchideas (1928), primeiras edições dos seus livros, fotos e um crochê feito por ela, que detalham a vida ativa de Leodegária de Jesus. O grande destaque fica por conta do certificado do título de cidadã vilaboense, a carteira da OAB e o título de doutora honoris causa concedido pela Universidade Federal de Goiás em agosto do ano passado.
Como parte da programação haverá o lançamento de um documentário sobre a vida e obra de Leodegária, e o lançamento de um edital de Escrita de Poemas para a adolescentes da rede pública de ensino e para mulheres a partir de 40 anos, que resultará na publicação, em novembro, de um livro com os textos selecionados.
O tributo é uma realização da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade e Equidade Étnico-Racial da cidade de Goiás, que é realizada por meio de emenda parlamentar do ex-senador Luiz do Carmo e da vereadora Elenízia da Mata.
O secretário de Políticas de Promoção da Igualdade e Equidade Étnico-Racial da Cidade de Goiás, Lázaro Ribeiro de Lima, destaca que o tributo, iniciado com a mostra, tem como objetivo revelar um pouco da potência da vida e da obra de Leodegária de Jesus em Goiás, pós-abolição, onde a existência da voz feminina negra também foi em grande parte arrancada de lugares férteis.
“É muito importante mostrar que também há um lugar de positivação da imagem e memória das mulheres negras, que as mulheres negras tenham um destaque singular, pois quase sempre são representadas em lugar de pobreza, de violação de direito e de dores seculares”, reflete.
Referência e legado
A homenagem é importante para todos, principalmente, às negras, quando se trata de questões de gênero. A obra de Leodegária de Jesus é contemporânea, inspiradora e poderosa, já que a poeta, nascida em um período pós-abolição, ainda inacabado, escolheu o destino de sua vida em um momento tão apertado.
O tributo a Leodegária rompe a bolha num momento em que poucos entram no mundo da escrita. Ela preferiu viver sozinha, como uma mulher independente, porque não conseguia vivenciar o amor que desejava. Ela se torna mãe solteira ao adotar uma criança. É também uma referência ao ser arrimo de família, ao se tornar empresária e abrir uma escola para educar meninas. E ainda estudou Direito. É um legado que deve ser sempre lembrado pelo o que é poderoso, bonito, pelo que tem mobilidade para o tecido social.
A mostra convida a ouvir, a olhar bem para o lírico ninho de flores, no qual pousou e cantou a pássara que, embora ferida, seguiu cantando o amor, a dor pelas ruas, igrejas, casarios da cidade de Goiás, atravessou as cercanias da Serra Dourada, transpôs mais de uma centena de anos e alcançou lonjuras. Leodegária é a mãe lírica que fez do pranto o canto, registrou amores, dores em versos, contos e canções.
Imagem de destaque – A mostra reúne reprodução de documentos, fotografias, poemas, certificados de títulos, que retratam o enfrentamento ao racismo e machismo na época – Foto: Acervo UH/Folha Press.