Empatia
ELIZABETH CALDEIRA BRITO
Vem aprender-me:
retire dos olhos
as vendas adâmicas.
Afaste as máscaras
que reflete em mim.
Coloca-te onde estou.
E vê,
com os olhos
de minha alma,
todo o universo.
Aprenderá assim,
de infinita forma,
o Eu de mim.
*Poema inserido no livro trilíngue (português, francês e espanhol): O avesso das horas & outros = El reverso de las horas y otros = L’envers des heures & autres . Goiânia: Ed. da UCG. 2007.
Baleia encalhada
ABNER DE AMUR CURADO
O dia 31 de dezembro de 2019 entrou para a história da velha cidade.
Um fato espantoso, nunca imaginado, veio e surpreendeu a todos. Uma baleia de 40 toneladas amanheceu encalhada, após uma tremenda enchente, no regato que corta a minha aldeia, o Rio vermelho. Sim, acreditem! Aconteceu.
Pelos dedos nervosos dos internautas a notícia e as fotos correram o mundo. Nas redes sociais, canais de comunicação bombaram de tanta curiosidade. Como pode? Só Deus para explicar tamanho mistério.
Ambientalistas, ecologistas, biólogos, mestres, doutores, Phds, honoris causas; todos reunidos aos pés, digo, às barbatanas do cetáceo. Foi uma correria geral; prefeito, médicos, juiz, bispo, Ministério Público, Corpo de Bombeiros, todo mundo envolvido.
“Temos que salvá-la! Mobilizem mundos e fundos! Não poupem esforços, nem recursos para tal empreitada”, disse o presidente.
Artistas e ativistas como Cristiane Torlone, Madonna, Sting, todos, rapidamente se mobilizaram. De Roma, da janela, o Chico Buarque, não, o Papa, dizia: O animal é nosso Irmão. Unam povos e salvem este penitente.
Logo empreitaram-se no socorro da pobre alma que agonizava, encalhada nas edras do rio. Diziam: Deve ter perdido o senso de rumo. Um Cabral perdido no Atlântico. Um bandeirante desorientado. Outro dizia: Para quem não acredita, é prova mais cabal da mudança climática.
Certamente à culpa é do homem e seus desatinos. Alguns rezavam, outros oravam, muitos choravam. Uma lágrima nos olhos da coitadinha. Deve ser saudade dos seus, que ficaram a milhares de quilômetros no mar. Como doía; ouvíamos seus lamentos melancólicos. Coitadinha.
Recursos foram locados, mobilizaram e remanejaram verbas. Tudo foi planejado. Cintas fortes, duas retroescavadeiras e um caminhão gigantesco foi contratado para conduzi-la até o mar. Para tudo se dava um jeito; organizaram-se bingos, rifas, doações, vaquinhas; não faltaram recursos voluntários e nem veterinários.
Tudo estava pronto. Bombas de água jateavam o dorso da peregrina. Tudo estava pronto e todos queriam aparecer na foto, oportunidade única que havia batido às nossas portas.
Este fato jamais será esquecido. O New York Time, Le Monde, CNN, televisões do mundo inteiro mandaram seus correspondentes. Helicópteros, que maravilha! Chico, o Papa? Não, o Buarque, engajado, fez um jingle: “Baleia lá. Tem que ter esperança”.
Estava presente a presidente do Conselho Nacional de Defesa dos Animais. À representante da ONG Nosso irmão, que age contra maus-tratos. Uma senhora toda emperiquitada dizia com a cachorrinha no colo: “Olha filhinha quanta dó! Ainda bem que não é com você, mamãe não iria aguentar!”
Presentes também a Associação Amigos dos Animais, a Cruz Vermelha, a Animal International, ministros do STF, os chefes das três forças armadas. Milhões foram gastos com o planejamento para a remoção da baleia até o mar. Improvisaram até mesmo, com membros da Banda da Polícia Militar, um grupo musical que haveria de tocar choros e clássicos renascentistas para acalmar o pobre animal por ser a ele um animal nobre.
Drones circulavam e tudo estava ponto, senão por um simples detalhe. Não por milagre; mas sim pela fome, como se fosse um quadro dantesco, de repente aparecem junto ao rio, acompanhadas por uma charanga entoando músicas populares e sambas, milhares de pessoas marginalizadas e miseráveis das periferias. Eram como deserdados em esperança, dissidentes sem pátria, refugiados em seu próprio planeta como a multidão rumo à bastilha da fome. Animados, entoando palavras de ordem e de agradecimentos, trazendo nas mãos sacolas e mais sacolas.
A polícia tentou impedir, mas nada foi mais importante para os desalentados e famintos do que aquele presente que Deus lhes havia mandado – carne.
Era imensa a quantidade de carne. E um profeta eventual gritava: “Obrigado, Deus, por matar nossa fome, pois quanto mais vale um farrapo faminto que uma baleia encalhada”.
Sentimento
NARCISA ABREU CORDEIRO
O que sinto
Não me pertence
Ligações atávicas
Não desenrola
Estou na esquina
Do tempo!
Tenho pressa
De sua resposta.
Agora, agora!
Oh! meu rio
SANDRA FONTOURA
Oh, meu rio!
Quem virou sua canoa, meu rio?
Quem causou a sua ira e afogou seu povo?
No rio do meu sul
a água que é vida
inundou a natureza
A água que é beleza
transbordou a dor
Guaíba! Guaíba!
Acalma seus irmãos
Caí, Sinos e Gravataí
Taquari, Pardo e Jacuí
Ac(q)uados
pela correnteza
nós prometemos
lhes pedir perdão!