Apesar das resistências, o ideal de tirar a sede política administrativa da Cidade de Goiás foi levada adiante. Geografia da antiga capital era um dos entraves para a expansão demográfica e econômica do município, mas o real motivo da mudança foi a política
VÂNIO LIMIRO
A cidade de Goiás era o centro de importância na região goiana desde seu surgimento. Capital da província de Goiás, sua importância era, também, de centro político.
Essa situação política de importância permaneceu até 1933, quando ocorreu a decisão de transferência da capital. Com a mudança, o vazio foi inevitável, já que se mudaram também os órgãos estaduais e seus respectivos funcionários. Mas a história desta mudança iniciou muitos anos antes.
Mas, por que uma nova capital? Por que não investir para promover o desenvolvimento na cidade que já era o centro político e administrativo do Estado? Por que se aventurar na construção de uma nova cidade, em plena década de 1930, no interior do Brasil, com todas as limitações que a época e a região impunham?
Um melhoramento da capital não seria mais econômico para um Estado com poucas rendas e muitas dificuldades financeiras? Quando da retomada da ideia da mudança já estavam prontos alguns projetos de melhoramento da cidade, principalmente os que abrangiam os setores de água e esgoto. Pedro Ludovico, no entanto, reagiu: “O Estado não pode intervir beneficiando a uma pequena minoria”
A explicação é política. E para entender é preciso retroceder um pouco na história.
O professor e historiador Nasr Chaul explica que, a partir de 1913, com a chegada dos trilhos da estrada de ferro à Catalão, as regiões Sul e Sudoeste do Estado experimentaram um grande surto de desenvolvimento socioeconômico e financeiro. Por outro lado, a participação política dos grupos dessa região não crescia na mesma proporção.
A primeira fase da República no Brasil, que durou desde sua proclamação até 1930, acentuou a disputa entre as elites oligárquicas de Goiás pelo poder político. Os principais grupos de elite eram os Bulhões, os Fleury, e os Caiado, que exerciam influência nas mais diversas atividades do estado. Os Bulhões apresentaram forte influência sobre a política do estado até por volta de 1912, com sua liderança maior em José Leopoldo de Bulhões, sucedidos pela elite oligárquica dos Caiado, liderada por Antônio Ramos Caiado, com seu poder exercido até 1930.
A cidade de Goiás tinha sido o núcleo de poder na Primeira República e era agora símbolo do governo deposto em 1930. Os políticos da Capital controlaram, antes de 1930, o executivo estadual, a representação federal e, enfim, a política estadual
Com a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à Presidência do Brasil, foram registradas alterações no cenário político estadual. Getúlio Vargas destituiu os governadores e nomeou um governo provisório composto por três membros. Pedro Ludovico Teixeira foi nomeado em Goiás, passando a ser interventor do estado dias após sua primeira nomeação. Outra iniciativa surgida como resultado da revolução foi um plano de ação adotado pelo governo nacional, para levar desenvolvimento a alguns estados interioranos do país, entre os quais Goiás, que recebeu investimentos nas áreas do transporte, educação, saúde e exportação. O plano de ação de desenvolvimento em Goiás previa uma outra medida para alcançar o objetivo: a mudança e construção da futura capital.
A cidade de Goiás, a Capital, era vista como o centro de poder da oligarquia deposta pela Revolução. A discussão da decadência da Capital era a principal argumentação utilizada por Pedro Ludovico. Segundo o Interventor, era inviável preparar a cidade para ser capital no futuro. Em um relatório feito por ele, alegava-se dificuldades técnicas, terreno rochoso, inexistência de recursos naturais e, além disso, havia o problema financeiro, com custos tão exorbitantes que o município não poderia comprometer seu orçamento e o Estado não podia intervir beneficiando uma pequena minoria.
Pedro Ludovico diz no relatório: “Entre inverter os recursos do povo na remodelação impossível de uma cidade velha e inafeiçoável às conquistas e às utilidades da vida moderna e aplicá-los na construção de uma capital nova, que seja verdadeira metrópole do seu progresso – a lógica, o senso das realidades, o interesse comum e o futuro do próprio Estado gritam ao administrador bem-intencionado qual a resolução que lhe cumpre adotar. Aí não cabe nenhuma hesitação”.
Agora interventor, Ludovico tinha pouca projeção, mesmo regionalmente. Apesar de ser o novo líder político do Estado, a cidade de Goiás ainda tinha grande domínio do poder deposto, representado pela família Caiado. A retomada da ideia da transferência da capital do Estado – já manifestada por outros governadores de província, nos séculos XVIII e XIX – foi a bandeira usada para se firmar como liderança política.
Mas a intenção de Ludovico encontrou muita resistência, obviamente entre os oposicionistas, mas até mesmo entre os próprios apoiadores. Compreensível; a perda da posição de capital do Estado levaria a Cidade de Goiás ao ostracismo, conforme foi confirmado após a transferência.
“Você tem que lembrar que a estrutura política e a estrutura social da época estão todas calcadas na Cidade de Goiás. Os familiares dos deputados que vão apoiar Pedro Ludovico, os amigos, a tradição de pertencimento à eterna Vila Boa, tudo isso vai dificultar”, diz o professor.
Para justificar a mudança que enfrentava resistências tão radicais, o político usava diversos argumentos, mas especialmente a falta de condições de desenvolvimento da antiga Vila Boa.
“Ele usa toda uma alegação com base na medicina que ele bem conhecia para tratar a Cidade de Goiás e joga todo seu saber médico sobre a cidade. Eram argumentos que encontravam ressonância dentro do processo histórico, das debilidades estruturais e espaciais, geograficamente falando, da cidade de Goiás, que realmente era uma cidade de 1722, com dificuldades de fazer jus ao processo que vinha se desenvolvendo desde 1913 com esse crescimento das regiões goianas”, analisa Chaul.
Apesar das resistências, Ludovico levou adiante o ideal de tirar a capital da Cidade de Goiás. Ele não dispunha de uma base política capaz de dar sustentação ao novo governo. Os municípios sofreram intervenções e as prefeituras foram entregues a grupos que simplesmente estavam em oposição ao chefe local caiadista.
Com o executivo nas mãos, Pedro Ludovico ia, paulatinamente, fechando os espaços dos seus correligionários que dispunham de liderança e que teriam condições de lhe fazer frente. Foi, porém, com a questão da mudança da capital que ele alijou definitivamente seus adversários
Enfrentando uma ferrenha oposição, superando crises políticas e dificuldades econômicas, Pedro Ludovico vai aos poucos se tornando o único líder e, em 1937, já era a única opção para a Interventoria Federal em Goiás. Pela concretização da mudança, ele se torna um símbolo e líder inconteste na política goiana, até 1964.
Se a ideia da mudança da Capital revoltou o vilaboense, ela teve ressonância e apoio dos municípios e regiões de todo o Estado, sempre marginalizados pelos políticos da Capital. Um elemento que comprova este apoio foi dado pelas expressivas vitórias do partido situacionista, nas eleições de maio de 1933 e outubro de 1934, em que fez da mudança da Capital a sua plataforma eleitoral.
Em toda a discussão da mudança da Capital e, durante a sua construção, Pedro Ludovico não mencionou uma só vez a questão política como tendo alguma influência. O problema era sanitário – inviabilidade da cidade de Goiás continuar hospedando o Governo; o problema era econômico – incapacidade da cidade de Goiás de promover o progresso do Estado e a necessidade de desenvolvimento do Estado, da superação do atraso.
No discurso de inauguração oficial de Goiânia, contudo, Pedro Ludovico, como que fazendo uma revisão, afirma: “Confesso, fazendo justiça à velha Goiás, que não foram motivos de ordem sanitária que pesaram no meu espírito para retirar-lhe a primazia de ser a metrópole goiana”. É um centro urbano relativamente saudável, apenas com uma endemia de paratifo, como se dá em inúmeras cidades e capitais do Brasil”. Causas de origem econômica, política e social influíram poderosamente para que lhe cerceasse o privilégio de que usufruía”.
Somente em 1942, com todo o governo instalado em Goiânia, desde 1937, é que a razão política foi dita como tendo influído poderosamente para a mudança.
Em 1930, Antônio Ramos Caiado – o Totó Caiado, era o Interventor de Goiás quando foi deposto e substituído por uma junta governativa composta por Mário de Alencastro Caiado, Francisco Emílio Póvoa e Pedro Ludovico Teixeira, sendo o último posteriormente nomeado por Getúlio Vargas como interventor federal, tornando-se artífice e executor da mudança da capital.
Passados 82 anos, o poder das oligarquias na política não existe mais. Ficou na história as disputas, por vezes violentas, entre grupos que comandavam os destinos de estados e municípios. Os ventos da democracia varreram para longe os velhos oligarcas que teimavam em permanecer no poder pela força e pelo dinheiro.
Os políticos que remanesceram das oligarquias goianas e que permaneceram na política, tiveram que se adaptar aos tempos que exigem ouvir o povo e governar para povo, como é o caso do neto de Totó Caiado, Ronaldo, que hoje governa o Estado.
É a política e seus feitos.