1° LUGAR
Na minha cidade corre um rio
RAÍSA CAVALCANTE e ANA ROCHA
Ilustração: Aguarela de Elder Rocha Lima
Na minha cidade corre um rio
Que demora um bocado
para chegar ao mar
Gosta de conversar com as casas
Que em sua margem teimam estar
Diz que na orla tem doce, poesia, veneno, desmatamento, agrotóxico e desvio
Como é vário este rio.
2° LUGAR
Singrando
JULIANA DA VEIGA | JARDIM JÁCOMO
Tem chovido muito por estes dias. É bom que chova.
Estou em casa desde meados de março do ano passado, quando todo este pesadelo da
pandemia nos alcançou. Saí pouquíssimas vezes. Não vou à frutaria nem ao supermercado. Tenho resolvido tudo pelo celular. Livros, linhas, remédios, lençóis, chapéu, calçados, comida, perfume, presentes, enfim, tudo resolvido via internet e celular.
Não saio, não ando pelas calçadas, não caminho à tardezinha pelo cais, não me encontro
com aqueles a quem quero bem, não recebo e não visito. Salve as mídias, os celulares, as
chamadas de vídeo, as mensagens de texto e as de voz. Este, contudo, não é um lamento, é uma mera contextualização, um registro.
Tem chovido bem. É bom que chova.
A alguém que não tem saído de casa sobram espaços no dia, ainda que seja esta uma pessoa ativa. Mas eu, entretanto, não sou dada a me ocupar em demasia. É que gosto das
horas vagas, me ocupo com elas, me nutro por meio delas. Divago. Vagueio. Me deixo
leva r pelos links e insights que chegam, trazidos pela observação de tudo o que me rodeia, expressões que adoto aqui mais para ser atual com os termos desta escrita estou agora rindo de mim mesma, desta minha pequena bobagem adotiva de duas palavras icônicas.
Ontem choveu bastante. Foi bom ter chovido.
Num destes momentos de nada fazer, aceitei o chamado da memória, vindo com a chuva
mansa. Dei a mão para menina que fui e saímos em caminhada imaginária. Guarda chuva aberto como crianças gostam deste apetrecho! Parei sob todas as bicas caídas das calhas, nas poucas do caminho. Aparei os pingos das beiras dos telhados, são muitos. Pisei na sarjeta. Parei no meio da enxurrada. E, assim, num ensaio para o que viria em seguida, olhei para baixo, fitei a água da enxurrada sendo partida em dois lados pelos meus pés, como os braços que os rios abrem, se aventurando em trajeto curto fora de seu leito para
pouco depois para ele voltar.
Choveu por estes dias. Foi bom ter chovido. O rio encheu.
Arrastei a menina pela calçada. Ela caminha lento, não tem pressa. Para, minuto a minuto, em meio a tanta distração. Faz tempo ela não sai de casa. O rio está cheio. Foi bom ter chovido. Gosto do barulho, do cheiro, da cor e do ritmo das cheias.
A ponte é nosso destino. Ela, a ponte, tem esteio de madeira no centro. As águas da cheia batem forte neste pilar de sustentação, se elevam e se dividem para logo adiante se fundirem outra vez. É a visão que buscávamos. Para encontra-la e sentir os seus efeitos em nós, saímos de casa num passeio imaginado.
Nos colocamos no meio da ponte. Apoiadas no guarda corpo, nos pomos a olhar fixamente para o ponto em que as águas avermelhadas do rio se chocam com a base central da ponte, são lançadas para o alto e divididas com força em dois lados, como antes meus pés tinham feito com as águas igualmente barrentas da enxurrada.
Concentradas em olhar para a água subindo pelo pilar, a menina e eu, em pouco tempo, já estamos em plena navegação. Iniciamos a viagem. Somos levadas pela ponte que se pôs, ela própria, em movimento, é como sentimos. A ponte/barco começa a singrar as águas do Rio Vermelho, deixando de lado seu papel inicial de obstáculo estático. Estamos em movimento, nós, a ponte/barco cortando as águas do rio e o próprio rio, que desce em corredeira barulhenta e caudalosa.
Somos todos uma coisa só. O vento e a chuva concorrem para trazer elementos de realidade ao cenário, intensificando a navegação percebida pela sensação da menina.
Foi bom ter chovido, o rio encheu.
3° LUGAR
Atrofia rubra
HÉSTIA DA LUZ (Pseudônimo)
Almofada poética da cabocla Milena Curado
Rio vermelho
Seu destino começou a se escrever em rotas douradas.
Desejos e sonhos do Anhanguera.
É no silêncio da madrugada que ouço seus louvores, alcovitando amores.
Eu sou sua poesia.
Remo em pedras e areia em suas pálidas águas de choro da Índia Carioca.
Minhas lágrimas se misturam às dela. Carioca que te fez por choro de amor.
E em amor me sangro ao te ver tão desbotado, minguado, desprovido de cor. Mas quando renasce amores assemelhados à tragicidade de Carioca, lágrimas inundam por véspera a cidade em fúria.
No ápice da paixão, explode em trombas d’água, intimida, assusta, maravilha e serenamente se acalma. Se faz em delicadeza terna, como amantes saciados em sede de prazer.
Quando as lágrimas das chuvas beijam sua cabeça, desce selvagem lavando o corpo, reivindicando espaço.
Você se amiudou com o tempo. Seu nome é minha inspiração preferida, para tentar espalhar versos sem rimas em uma canção inventada, embaladas por barulhinhos ritmados das águas tilintando em suas pedras. Inspiração de poesia.
E uma cantata de vozes de quem te ama se levanta em harmonia.
Seu leito margeado e enfeitado com flamboyant de flores alaranjadas te veste com brilho.
Você seduz, inspira cantigas e poesias. As pessoas abrem as janelas para se entregar às serenatas que te exaltam. Mas nenhuma vai ao seu encontro para te acarinhar, zelar cuidar.
Eu te abraço.
Foi em você que me entreguei as aventuras de boiar, mergulhar e como em abraços com meus braços, aprendi a nadar.
Em traquinagens, pulava festiva da ponte da rua Cambaúba e me deixava levar até à piscina que dava de fundo com o portão da casa de minha avó Mãe Dita. De lá, avistava as filhas de Quinú com outras amigas sereando e encantando suas águas.
Seu nome é minha cor favorita. Espelho de casarios pálidos refletidos se engrandecem diante das chamas do desfile noturno dos farricocos da procissão do fogaréu.
O que te sobra assombra diante do seu sido.
Mas ainda me seduz.