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Cidade de Goiás dá adeus a Elder Rocha Lima, mas seu legado vive

Jornal Nova Fogaréu homenageia artista plástico, arquiteto e escritor Elder Rocha Lima, que morreu no dia 25 de outubro, contando parte de sua história através de relatos carinhosos de amigos e esposa

RARIANA PINHEIRO

A Cidade de Goiás perdeu um de seus filhos mais atuantes, que nasceu e decidiu se despedir da vida na antiga Vila Boa: Elder Rocha Lima. Multitalentoso, sensível e inquieto, ele morreu aos 96 anos, no dia 25 de outubro, após uma vida voltada à arquitetura, à arte e à luta apaixonada a favor do cerrado e da liberdade.

Elder Rocha Lima conheceu diversos locais do mundo, morou ainda no Rio de Janeiro, Brasília e em Goiânia. Mas, nos seus últimos sete anos de vida, optou por desfrutar na Cidade de Goiás. Aqui viveu anos doces, casou de novo, tocou projetos do coração, cultivou amizades e até pulou carnaval no Largo do Rosário.

Ao lado da esposa Maria das Graças Fleury, estava à frente do Instituto Bertran Fleury, onde mantinha seu ateliê e também realizou seus últimos projetos nas áreas da cultura e de preservação ambiental. Conforme Graça, eles tinham ainda muitos planos e alguns foram idealizados até no leito do hospital.

“(Elder) Aceitou ser presidente do Instituto Bertran Fleury para incrementá-lo ainda mais. Este Instituto foi criado em Brasília, por um grande e querido amigo dele, Paulo Bertran. Curiosamente, os dois se foram enquanto ocupavam a presidência do mesmo”, refletiu em texto enviado ao jornal Nova Fogaréu, Graça.

Em seu escrito, ela conta que a última reunião que Elder presidiu no Instituto foi no dia 15 de agosto, data em que o espaço completava 21 anos. Segundo ela, na ocasião, Elder mostrou os diversos planos, a exemplo de trazer melhorias ao espaço, localizado na chácara Dona Sinhá.

“A Natureza é a nossa igreja”, dizia. E, por isso mesmo, iremos plantar mais de 500 árvores, no dia 18 de dezembro próximo, como homenagem a Elder, ele que as pintava de forma única e magnífica”, escreveu.

Graça revelou ainda no texto que Elder deixou praticamente finalizado um livro/álbum sobre a mais linda igreja de Goiás, na opinião do casal: a Igreja de Nossa Senhora d’Abadia.  “É um livro de mesa, com fotografias de Marcelo Feijó, seu filho caçula, textos do historiador Antônio César Caldas Pinheiro e do arquiteto Gustavo Neiva e um de minha autoria sobre Nossa Senhora”.

Na Cidade de Goiás, conseguiu realizar ainda um novo reencontro com um amigo de longa data, o reconhecido artista plástico Amaury Meneses, que também escolheu viver na antiga Vila Boa.

“Fiquei amigo de Elder na década de 40, no Lyceu de Goiânia. Depois ele foi estudar no Rio de Janeiro e quando voltou para Goiânia montou seu escritório de arquitetura no mesmo prédio em que eu trabalhava e renovamos a amizade. Nossa amizade é difícil de falar sem eu me emocionar, porque nos nós chamávamos um ao outro de irmão. É um orgulho ter Elder como amigo”, disse Amaury, muito emocionado e ainda usando o tempo presente ao falar de Elder.

Ao lado de Amaury Menezes e de Frei Confaloni, Elder deixou ainda um marco na educação de Goiás, com a criação da Faculdade de Arquitetura na então Universidade Católica de Goiás (UCG), atual PUC, a primeira faculdade de arquitetura do Centro-Oeste.

“O curso de arquitetura foi importante porque tinha professores formados na UBN e USP, além de outros das universidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro e aproveitamos a experiência desses profissionais nesta universidade. Elder foi um dos intelectuais mais importantes de Goiás, escritor, arquiteto, um historiador importante. Um dos homens mais cultos do nosso tempo”, elogia o artista, com a voz embargada.

Outro amigo e parceiro em diversos projetos é o produtor cultural do Instituto Biapó, PX Silveira, que produziu diversas exposições de Elder entre a década de 1980 (na Multiparte) a 2022 (em exposição no Museu de Arte Frei Confaloni, de Goiânia). A última mostra na antiga capital ocorreu no Instituto Biapó, em 2021.

Nestes mais de 40 anos de trabalho juntos, PX Silveira ressalta que Elder Rocha Lima era um artista diferenciado, tanto na produção, quanto na reflexão do que fazia. “Elegeu como principais temas o ambiente urbano, por meio de casarios, e a natureza. Em ambos ele foi um mestre que ia além de apenas retratar. Ele imprimia em suas pinceladas a vida destes temas, os tornando pulsantes”, diz.

A volta de Elder para a Cidade de Goiás, PX vê como um encerramento de uma produtiva trajetória. “No entardecer de sua vida, ele escolhe voltar para sua cidade natal e assim fecha um ciclo completo de plena realização, sempre aprendendo e transmitindo, recebendo e entregando, à sua maneira criativa, tremendamente humana e bela. Deixou um legado enriquecedor das artes visuais e embrenhado de muitas narrativas a serem desfrutadas por gerações afora”.

PX ressalta ainda que entre as obras que Elder deixou está uma ainda inédita. Pois ele criou a Arcada do Tricentenário, em homenagem aos 300 anos da Cidade de Goiás. Trata-se de um monumento de 9,20 m de altura por 17m de largura feito em aroeira recuperada de demolição, aço corten e garras de ferro na GO-070, próxima do Santuário de Areias.

“Elder lutou pela democracia e foi muito perseguido”, diz Salma Saddi

Mesmo dono de alma muito elegante, Elder foi um homem que travou muitas batalhas, como em prol do meio ambiente, da educação e também a favor da democracia. De acordo com a historiadora e ex-superintendente do Iphan, Salma Saddi, sua amiga pessoal, na volta à Goiânia, depois de morar no Rio de Janeiro, o artista foi duramente perseguido e preso pela ditadura militar.

Conforme Salma, nesta época, trabalhava como professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). Mas, em 1964, foi demitido pelo governo militar e não conseguiu um novo emprego, graças a sua atuação ativa na luta pela democracia.

“Com a perseguição política, Elder estava com dificuldades para se manter na capital com a então esposa Beatriz Feijó (que faleceu em 2014) e os cinco filhos. Darcy Ribeiro e Cristóvão Buarque ficaram sabendo o que estava passando e vieram para Goiânia buscá-lo para ajudar a fundar a UNB. Ele é um dos fundadores da UNB. Era um homem culto que sabia de tudo e lia tudo”, recorda Salma Saddi, também muito emocionada.

Em Brasília na década de 70, Elder abriu um escritório de arquitetura e quando foi readmitido na UFG, em 1979, em decorrência da Lei de Anistia, dividiu seu tempo entre Goiânia e a Capital Federal.

“Ele sempre manteve uma postura política clara. Nunca sucumbiu aos caprichos de políticos que tanto fizeram mal ao nosso país.  Ultimamente, estava mais calado e mais observador, mas a idade nunca foi empecilho para o Elder”, conta Salma.

Elder Rocha Lima já foi homenageado pelo Carnaval do Largo do Rosário e no Fica

Além de arte, projetos e amizades, o artista também aproveitou a vida na Cidade de Goiás. Este ano – e debaixo de chuva – curtiu uma folia na 18ª edição do Carnaval Largo do Rosário, do qual foi o homenageado deste ano.

A idealizadora do evento, a também artista plástica Rossana Jardim, recorda que Elder ficou muito satisfeito em receber a homenagem. “Escolhi Elder por ele ter nascido e estar vivendo em Goiás, que é um requisito para ser homenageado, também pelo ser humano que era, por tratar todos com educação, por seu amor à vida e pelo legado profissional era um artista, arquiteto e escritor espetacular”

Em entrevista ao jornalista Valterli Guedes, o artista revelou que já recebeu muitas homenagens, mas essa o comoveu mais. “Foi uma homenagem espontânea, simples, vinda de amigos e aqui de Goiás em uma cidade extremamente musical e onde o carnaval é reconhecido como um dos melhores carnavais do estado. Fiquei extremamente comovido e feliz por isso”, disse.

Em 2006, foi homenageado no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica).

Morte de Elder causou grande comoção

A morte de Elder causou comoção no estado. No dia de sua morte, Salma Saddi, em conversa com a rádio Nova Fogaréu, muito emocionada, falou sobre a honra de ter convivido e trabalhado com Elder Rocha Lima.

“Gratidão: assim me dirijo à vida pela oportunidade de conviver com Élder desde menina, meu amigo, conselheiro, companheiro das horas certas e incertas. Elder Rocha Lima sempre estará no melhor das minhas lembranças e para sempre no meu coração, meu amigo da vida inteira. Siga em paz, Elder”, disse.

Através de nota de pesar, o prefeito da Cidade de Goiás lamentou a morte do artista e ressaltou o seu legado, como professor, escritor, pintor, artista gráfico e crítico de arte. “(Elder) Tornou-se referência da cultura goiana, e dedicou-se também à defesa do cerrado e sua biodiversidade”, diz a nota.

O Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis (ICEBE) e o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), também soltaram nota de pesar conjunta em que ressaltou que Elder Rocha Lima foi um “prócere das artes visuais em Goiás”.

De acordo com o presidente da Fundação Frei Simão Dorvi, Leonardo Lacerda, a fundação perdeu um de seus membros mais ilustre, presente, engajado e amigo. “O momento é de pesar, mas também para elevar. A vida do Elder deve ser celebrada com muitas cores, muita alegria: uma vida dedicada ao belo, à arte, à Cidade de Goiás, aos cerrados”, diz trecho da nota.

Para a diretora do Museu Casa de Cora, Marlene Velasco, Élder foi um vilaboense que honrou o nome da cidade e do cerrado. “Elder Rocha Lima foi um grande parceiro da Casa de Cora, fizemos muitos projetos juntos, ele inclusive escreveu o livro “Itinerário Cora Coralina”, que é muito importante para nós”, conta.

 

Mais curiosidade sobre a vida de Elder Rocha Lima

  • Na arquitetura
  • Assinou projetos como o da sede do Banco do Estado de Goiás, da esquina das avenidas Goiás e Anhanguera, da Caixa Econômica Federal, da Assembleia Legislativa de Goiás (em coautoria com Eurico Godoy). Todos em Goiânia.
  • Era ainda pintor, desenhista, aquarelista, crítico de arte e artista gráfico.
  • Iniciou nas artes com estudos de desenho e pintura com nomes conceituados, a exemplo de Ubi Bava, Pedro Luiz Correia de Araújo e Glênio Bianchetti.
  • Sua inspiração vinha da paisagem e do povo cerratense da sua terra natal.
  • A Serra Dourada, assim como os moradores da antiga Vila Boa, era recorrente em sua criação. Um painel com 12 metros de comprimento por 2,30 metros de altura, com o tema Serra Dourada de sua autoria está instalado no Cine Teatro São Joaquim.
  • Como escritor, lançou quase 20 livros, dedicados à arte, ao cerrado e à história da Cidade de Goiás.
  • Um dos seus livros mais conhecidos é o “Guia Afetivo da Cidade de Goiás”, definido como uma “descrição amorosa de sua cidade natal”.

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