Elder não se foi, ele está aqui
GRAÇA FLEURY
É muito estranho…… continuo achando que Elder foi a Brasília e logo voltará, apesar de ter acompanhado seus últimos momentos e cuidado pessoalmente das providencias atinentes ao seu falecimento, ocorrido em Goiânia. Guilherme, seu filho, cuidou dos tramites relativos ao seu sepultamento que se deu em Brasília.
Sua presença é muito forte. Anteontem ao chegar em casa, gritei o nome dele como sempre fazia, ao trazer algo que ele iria gostar.
À noite, já aconteceu de levar a mão na colcha de tear para cobri-lo nestes dias chuvosos e tão gostosos.
Pego-me saindo de um quarto, indo para o outro para tirar uma dúvida com ele. Ele que sabia tudo e mais um pouco.
Quantas vezes anotava em um papelzinho algumas palavras que ele dizia e que eu não sabia…. a que ele usava muito era “paquera”, eram as famosas dores na paquera, por isso ainda me recordo. Os papeis sumiam pela bagunça de minhas (des)arrumações. Discussões sem fim, sem pé nem cabeça, também tínhamos.
Projetos, ainda no leito do hospital. Contava-me do próximo livro que iria escrever… seria uma ficção. Nunca uma ficção científica (como aquela escrita sobre uma família vilaboense), como ele dizia.
Agora, sozinha, terei que dar conta de nossos sonhos que eram sempre muito parecidos, uma sinergia de outras vidas, certamente.
Aceitou ser presidente do Instituto Bertran Fleury para incrementá-lo ainda mais. Este Instituto foi criado em Brasília, por um grande e querido amigo dele, Paulo Bertran. Curiosamente, os dois se foram enquanto ocupavam a presidência do mesmo.
No dia 15 de agosto último, Elder ainda presidiu reunião realizada no mencionado Instituto, na data em que este completava 21 anos, ocasião em que explanou seus projetos; são inúmeros e encontram-se gravados (só acessar o canal no You Tube do Instituto Bertran Fleury a apresentação do novo site).
Um dos primeiros projetos seria ampliar o número de integrantes do Instituto, nos moldes de uma academia “formal” (entre aspas), com patronos e titulares das cadeiras. Outro, seria dar impulso ao “paraíso” que ele tanto gostava, a chácara Dona Sinhá, local onde vivemos os últimos 4 anos.
Quase todas as vezes que entrávamos na chácara ele fazia um comentário qualquer elogiando a natureza que ali nos rodeia. “A natureza é a nossa igreja”, dizia. E por isso mesmo iremos plantar mais de 500 árvores no dia 18 de dezembro próximo como homenagem a Elder, ele que as pintava forma única e magnífica. Árvores que ele amou tanto e tanto e tanto. Vamos cobrir toda a área onde aconteceu recentemente um incêndio criminoso, que o deixou profundamente abalado.
Vamos, sim, dar continuidade ao núcleo cultural que a Chácara tem se tornado ao longo destes últimos trinta anosd. Repaginar o Caminho de Letras e Árvores. Ah… Além dos projetos do Paraíso chamado Chácara Dona Sinhá, que ele considerava uma verdadeira terapia, um local de cura espiritual, psicológica e física também.
Elder deixou, praticamente finalizado, um livro/álbum sobre a mais linda igreja de Goiás em nossa opinião, a Igreja de Nossa Senhora d’Abadia. É um livro de mesa, com fotografias de Marcelo Feijó, seu filho caçula, textos do historiador Antônio César Caldas Pinheiro e do arquiteto Gustavo Neiva. Contará ainda com outro de minha autoria, sobre Maria, nossa Mãe.
Estes eram e serão os principais e os mais urgentes dos muitos projetos com que Elder e eu sonhamos e que eu me comprometi a tornar realidade.
Sempre laborioso, Elder às vezes trabalhava até nos domingos em seu ateliê. Curioso como uma criança, adorava fazer experiências com tintas, areias, papelões. E como eterna criança, dizia que sua cidade era a cidade mais linda do mundo. E eu acabava concordando inteiramente com ele.
Após o término deste texto, soube pela nossa querida pianista Andrea Luisa Teixeira, que a primeira floresta terapêutica da Península Ibérica fica em Portugal – a Mata Nacional do Bussaco. Posso acrescentar que Elder certamente falaria que em Goiás já existe uma há muito tempo.
Meu tio, meu exemplo de vida; minha inspiração
GUSTAVO DA ROCHA LIMA
Hoje acordei sem norte. A morte do meu tio levou minha bússola. E junto levou meu último teto, meu único ascendente vivo. Ela agora me deixou exposto, na fila de frente, exposto ao vento da finitude.
Trinta anos nos separavam, trinta anos que quero ter ainda e gastar como ele gastou. Tirando o sumo até o último bagaço da fruta.
Dons da pintura, do desenho, da escultura não tenho, mas minhas mãos ainda tentam imitar seus movimentos na escrita.
Se a vida me conceder esses 30 anos, como um simulacro de Elder, serei o homem mais feliz do mundo.
Na verdade, o esforço de tentar ser como ele será minha grande motivação. Logo agora me faltam as melhores palavras para o homenagear, e agradecer seu legado.
Tenho certeza que sua vacância vai me inspirar muito a produzir mais novos escritos, pois quero preencher a saudade com o que ele me deixou de melhor, a paixão pela literatura.
Ainda lembro do cheiro dos livros velhos do quarto que dormi no apartamento de Brasília, numa semana que passei praticamente sozinho com ele. Me senti como se estivesse dormindo dentro de um sebo, cercado pela melhor literatura. Mal sabia que no quarto ao lado dormia a melhor obra que já li, Elder da Rocha Lima.
Mas vamos em frente, seguindo seus conselhos, a vida é para ser aproveitada, e não gestada!