Quase um mês após o acidente, exames da água do manancial ainda não foram divulgados. Ainda não se pode precisar o tamanho das consequências ambientais. Veja o que sabe até o momento
RARIANA PINHEIRO
O ano de 2025 começou de forma diferente na Cidade de Goiás. Prazeres antes corriqueiros, como nadar nas águas geladas do Poço do Bispo ou no Parque da Carioca, por exemplo, neste momento não é possível. Um acidente com um caminhão na GO-164, carregado com defensivos agrícolas, afetou a balneabilidade do local e o uso do Rio Vermelho está interditado.
O acidente em questão aconteceu no dia 17 de dezembro. Uma carreta colidiu com um carro de passeio, caiu em uma ribanceira nas margens do rio e deixou dois mortos. Outra consequência foi a contaminação do Rio Vermelho, na região do Parque da Carioca. O caso foi amplamente divulgado na mídia e muitas consequências do acidente vieram à tona.
Até o momento, o que se sabe é que está proibido o uso da água do Rio Vermelho para banho, uso nas lavouras e para desinsetização animal. É sabido ainda que peixes morreram em trajeto de mais de 20 km a partir do ponto do acidente.
Também é de conhecimento geral que a empresa Ambipar Response foi contratada pela fabricante dos agrotóxicos, a Basf, para retirada do produto químico em um trabalho que ocorreu. Foram gerados oito big bags de resíduo sólido, uma bombona com peixes mortos e aproximadamente 400 litros de resíduo líquido.
Porém, muitas perguntas ainda continuam abertas, como: qual a dimensão deste acidente? Quando serão recuperadas as águas do rio, importante afluente do Rio Araguaia. A fim de esclarecer alguns destes pontos, a reportagem da Nova Fogaréu, foi atrás de informações.
Conforme apurado, há a possibilidade de que cinco tipos de agrotóxicos utilizados para o combate de pragas em lavouras, como o Fipronil, Blavity, Fox Xpro, Sphere Max, Orkestra SC, tenham entrado em contato com o rio.
De acordo com biólogo Alencar Beltrão, os principais problemas que se podem identificar no derramamento desses agrotóxicos sobre a região estão no processo de bioacumulação devido ao Fipronil e aos triazois (protioconazol ciproconazol).
“Estes produtos podem permanecer sobre o ambiente no solo e na água e tendem a causar morte dos animais ou até mesmo permanecia no corpo dos animais, passando de um para outro quando ingeridos”, analisa.
Outro problema, conforme o biólogo, é que o composto estrobilurinas, comum na grande maioria dos agrotóxicos citados, causa mortalidade e aglutinação. “Ou seja, tendem a acumular por ser de aspecto gorduroso. Para amenizar a situação é importante acompanhamento”, explica.
Exames
Estes produtos, de acordo com o biólogo, podem ficar meses na água. Mas este tempo depende do quanto destes produtos foram derramados, uma questão ainda não divulgada.
O Jornal Nova Fogaréu entrou em contato com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), e foi possível entender que os exames da água ainda não ficaram prontos porque encontrar laboratórios aptos a fazerem a análise da água contaminada por defensivos agrícolas é uma questão complicada.
A Semad recolheu amostras de águas, peixes, solo, mas o laboratório da pasta não possui equipamento para realizar exames neste tipo de contaminação. “Estamos em conversa com a fabricante dos defensivos agrícolas, a Basf, que recolheu material do solo e está realizando exames. Os resultados devem sair no final do mês. Devido às características do produto, estamos aguardando e estudando junto a empresa a melhor forma de agirmos”, disse o Carlos Eduardo Lemes, atualmente o responsável pela Gerência de Gestão e Prevenção de Incêndios e Acidentes Ambientais (Gegia), da Semad.
Outros exames da água do rio foram realizados pela Saneago, que, por meio de nota, após contato do JNF, esclareceu que devido à complexidade dos compostos orgânicos presentes nos agrotóxicos derramados no Rio Vermelho, foi contratada uma empresa terceirizada para realizar as análises na água do manancial. Os resultados estão previstos para serem entregues em até 20 dias.
A companhia tranquilizou ainda a população em relação à qualidade da água distribuída pela rede de abastecimento público, já que a captação de água no Rio Vermelho é acionada, exclusivamente, como reforço hídrico no período de estiagem, ou seja, não está sendo utilizada neste mês de janeiro, visto que estamos no período chuvoso.
“Atualmente, no município, a Saneago realiza a captação de água apenas nos córregos Bacalhau e Pedro Ludovico, que estão com todos os parâmetros adequados, sem qualquer tipo de contaminação. Antes de ser distribuída à população, a água é tratada e obedece, rigorosamente, todos os padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde”, diz a nota.
Penalização
Vale lembrar que o acidente possui mais um agravante. Investigações da Polícia Civil apontaram que os agrotóxicos que estavam no caminhão foram furtados em Marcelândia (MT), no dia 14 de dezembro.
Conforme o delegado Gustavo Barreto, a Polícia Civil, a princípio, investiga de forma sigilosa os ocupantes do caminhão e a associação criminosa envolvida em furtos de defensivos agrícolas no Mato Grosso.
“Na delegacia de Goiás, os ocupantes do caminhão responderão por homicídio culposo no trânsito e poluição hídrica, podendo ser condenados a penas de até nove anos de prisão. Enquanto no Mato Grosso, por furto qualificado e associação criminosa, eles poderão pegar até 11 anos de prisão”, explicou o delegado.
Já no âmbito administrativo, a Semad completou o processo administrativo em desfavor aos envolvidos. Conforme informações da pasta, foram autuados o responsável pelo caminhão, o motorista e o responsável pela carga, que apresentou uma nota fiscal, possivelmente fria.
Conforme informações da secretaria, os envolvidos foram multados, conforme prevê o artigo 64 do Decreto nº 6.514/2008 por transportar perigosos “defensivos agrícolas” em desacordo pelo estabelecido por leis ou em seus regulamentos. O valor da multa é de R$ 40.500, fora os agravantes da lei 18.102/2013.
Outros acidentes afetaram mananciais do município
Além do acidente do dia 17 de dezembro, na GO-164, o Rio Vermelho já foi afetado por outras situações semelhantes. Um exemplo inesquecível aconteceu em 2021, quando o produto de um caminhão deixou as águas do rio literalmente vermelhas de sangue.
Um caminhão carregado com cerca de 10 mil litros de sangue bovino tombou na mesma região, e derrubou a carga no Rio Vermelho, que corta a Cidade de Goiás. Além da coloração avermelhada, a água do manancial foi tomada por espuma. Na época, se constatou que não houve dano ambiental.
Já no dia 19 de abril de 2023, após um caminhão da empresa Dinâmica Distribuidora, que transportava combustível tombar na GO-070, o óleo diesel da pista escorreu para a nascente do Córrego Gouvea, situado na Área de Proteção Ambiental (APA) Dr. Sulivan Silvestre, e atingiu parte do Parque Estadual da Serra Dourada.
Logo, não demorou até que no leito de ambos mananciais fossem avistadas grandes manchas amarronzadas que provocaram, na época do acidente, a morte de peixes em um trajeto de 15km.
A empresa responsável pelo caminhão envolvido no sinistro foi autuada em R$ 505 mil e notificada a prestar contas das medidas que tomou para contenção do derramamento, remoção e destinação final do produto. Porém, os resultados sobre a contaminação nunca chegaram ao conhecimento público.
De volta ao cargo de secretário do Meio Ambiente, o arquiteto Lucas Clementino, que na época que ocorreu este acidente estava à frente da pasta, mas logo foi afastado do cargo, disse que pretende fazer um levantamento do que foi feito para mitigar os danos no córrego e afluentes.
“Também temos de desenvolver parcerias entre o governo do estado e município para evitar acidentes como este, que nos trazem tantos prejuízos, não ocorram mais, nós estamos à mercê da sorte”, disse o secretário.