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A redescoberta do maior prosador goiano

Neste mês que marca o nascimento e também morte de Hugo de Carvalho Ramos, a boa nova é que o escritor de “Tropas e Boiadas” vive momento de mais reconhecimento, com relançamentos e homenagens a caminho

RARIANA PINHEIRO

Sempre que se tem oportunidade, é preciso falar do escritor vilaboense Hugo de Carvalho Ramos (1895 -1921). Neste mês, em que se completa 103 anos da morte do autor de “Tropas e Boiadas”, abordar a importância de seu legado literário, então, é fundamental. Isso porque o contista considerado o precursor da escrita regional é celebrado nacionalmente, porém, ainda pouco reconhecido entre as novas gerações.

No centenário do escritor, em 2021, muito se discutiu ações para que sua obra fosse mais divulgada, após certo apagamento de seu legado em relação a outros nomes vilaboenses, a exemplo da poetisa Cora Coralina. Passado o marco, o autor continuou desconhecido da maior parte dos moradores da cidade, cuja natureza e dilemas sociais foram relatados em sua obra. Mas, no momento, há o que celebrar.

Um exemplo é que novas reedições da obra “Tropas e Boiadas” estão surgindo. Uma delas foi publicada em 2023, pela Livraria Leodegária em parceria com a Editora Trilhas Urbanas, que está à venda na Livraria localizada no Mercado Municipal.

“Em capa dura, a obra traz ilustrações do artista plástico Elder Rocha Lima e estudos sobre sua obra. A edição foi muito bem cuidada, entregamos aos leitores um livro bonito, uma edição confiável e à altura de nosso maior prosador goiano”, explica a proprietária da Livraria Leodegária e secretária municipal de Cultura, Goiandira Ortiz.

Outra novidade ainda pouco divulgada é que a editora paulista Editora Ercolano irá lançar o livro “Obras Reunidas de Hugo de Carvalho Ramos”. Seu lançamento está previsto para o final de junho deste ano. Vale lembrar que a primeira edição Obras Completas do autor foi lançada em 1950 pela Companhia Editora Panorama, ou seja, há 74 anos.

Grande homenagem

Tanto o livro da Leodegária, quanto reedição nacional, trazem textos do cineasta e também secretário municipal de Igualdade e Equidade Racial, Lázaro Ribeiro.

Isso porque o cineasta fez um verdadeiro mergulho na obra do escritor para produzir o curta “Hugo”, que foi lançado em 2017. Trata-se de uma cinebiografia que traz uma pesquisa aprofundada sobre o autor e feita em conjunto com o pesquisador Jadson Borges.

Para fazer o filme, que contou com lançamento no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica) do mesmo ano. Para o roteiro, Lázaro teve acesso à cartas, bilhetes, além de contos e outros escritos. Também fez viagens por Minas Gerais e Rio de Janeiro em busca de elementos para montar o filme.

“A história de Hugo é um enigma, que merece ser decifrado, estudado, pesquisado por ter sido um dos precursores do regionalismo brasileiro. Foi um jovem que escreveu seus primeiros contos ainda na adolescência em uma capital isolada no sertão de Goiás”, argumenta Lázaro.

Depois do curta, o cineasta quer ir além para trazer mais reconhecimento ao escritor. No ano que vem, quando se completam 130 anos do nascimento do autor, Lázaro planeja fazer uma série de homenagens ao escritor. “Estou preparando junto ao museu da Memória de Goyaz um documentário e mais outras ações. Gosto demais de falar no Hugo”, revela.

Apagamento

A volta pelo interesse pela obra do escritor é tardia. E, não se pode usar o argumento de que ele teve pouco tempo para escrever, pois se foi aos 25 anos, vítima de uma severa depressão. Isso porque o seu único livro publicado é muito celebrado pela crítica nacional.

Para a secretária municipal de Cultura, Goiandira Ortiz, Hugo de Carvalho Ramos já foi reconhecido nacionalmente como um dos maiores escritores brasileiros, como os críticos e escritores, como Lúcia Miguel Pereira e Bernardo Élis.

“Em seu único livro publicado em vida, transcende o regional para mostrar as dimensões do ser humano em sua luta com o seu meio e com a exploração dos grandes proprietários de terra. Com sua única obra, ele tem para nós goiano a mesma importância que tem Guimarães Rosa para os mineiros. Hugo deixou um legado que repercute até os dias de hoje”, argumenta a secretária.

Mas, para que Hugo se iguale a Rosa em nível de conhecimento dos goianos falta muito e, a solução, para a secretária, deve partir também das salas de aulas.

“As escolas deveriam fazer um trabalho de formação em leitura que incluísse obrigatoriamente autoras e autores goianos para que a comunidade escolar pudesse estudar aqueles que fizeram o passado da nossa literatura como as escritoras e escritores do presente”, argumenta Goiandira.

Biografia

Hugo trazia a literatura em suas veias. Era filho do juiz Manoel Lopes de Carvalho Ramos, autor do poema épico “Goianya”, cujo título mais tarde serviria de inspiração para batizar a capital do estado.

Na infância e adolescência, passada na Cidade de Goiás -ele morava na Praça do Chafariz -, se tornou frequentador assíduo do Gabinete Literário Goyano e começou a escrever quando tinha 15 anos. Um de seus primeiros contos foi “O Saci”.

Depois da morte do pai, aos 17 anos, se mudou para o Rio de Janeiro e ingressou no curso de Direito.  Na até então capital federal, o escritor publicou aos 22 anos, pela Revista dos Tribunais, a primeira edição de “Tropas e Boiadas” em 1917, que foi sucesso de crítica no circuito literário do Rio de Janeiro.

Com esta obra, o escritor consagrou um estilo diferente, que tocava nos pontos frágeis da sociedade em uma mistura de modernidade e tradição. Colecionou elogios de nomes importantes para cultura da época, como João Rio, mas era infeliz. Hugo morreu e, cogita se que na época estava produzindo um livro de poesia. Após sua morte, “Tropas e Boiadas” foi reeditada um ano depois por Monteiro Lobato.

Hugo saiu de cena, claro, como um dos grandes. Porém deixou nos seus leitores a eterna dúvida de como seria o seu olhar aguçado e sensível sobre outros aspectos de sua antiga, mas moderna, Vila Boa. Que outras realidades este prosador mostraria.

Primeira edição do livro Tropas e Boiadas foi lançada em 1917

 

Filme “Hugo”, de Lázaro Ribeiro tenta desvendar quem era o homem atrás do escritor – Foto: Divulgação.

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