Artigos, Crônicas e Poesias

HORA CERTA, SERÁ?

ABNER CURADO

Cheguei da fazenda sexta-feira, oito de dezembro, por volta das 20 horas, horário de verão. Minha companheira de caminhada havia viajado para Goiânia afim de passar o fim de semana com o caçula dos nossos filhos e apesar da perspectiva dela ir, pois não havia confirmado a mim a viagem, foi e nem um bilhete deixou no espelho do quarto. Isso me deixou encabulado. Coisas de velho carente. Estou só. Olho para a casa que não é tão grande assim, mas na companhia da solidão se tornou um casarão.

Tomo banho, vejo a programação da TV por assinatura, quase toda repetida, me dirijo ao quarto, que além da solidão um desconforto abdominal me acompanha. Era uma sensação de dor, não intensa, mas incomodativa. Devem ser gazes. Deito na cama, tento ler algo, a revista Veja, não consigo me concentrar pois o desconforto foi aumentando. Pego o controle, coloco na Globo, estava o competente, mas um tanto pretencioso Bial entrevistando Gal Costa e sua afilhada Preta Gil. Não consegui, o desconforto falava mais alto.

Desligo o aparelho, um silêncio ensurdecedor adentra meus ouvidos. A dor não me dava tempo. Concentrei no meu mal estar. Minha cabeça matutava. Será que é ela que já vem chegando? Será que a causa é aquela doença que não gosto de falar o nome? Mas ela vem quase sempre acompanhada com dor no braço esquerdo e no peito. Como sofre o homem informado. Hoje tem internet, muitas informações. Gostaria de morrer como antigamente. Ninguém morria de infarto. Épa! Falei o nome da danada, mas deixa, agora pode não adiantar mais, não falar. Outrora se morria de repente. Morria como passarinho. Meus pensamentos aceleram e eu aqui sozinho. Uma sudorese brava mina de meus poros, o coração acelera, o desconforto aumenta potencializado pelo sistema nervoso. Tenho medo dela, mas logo eu, que professo a doutrina Espírita, não estar preparado? Mas se assim for, tenho que conformar. Penso: – Tomara que seja ela mesmo e me pegue aqui sozinho. Assim dona Eliane, que vai morrer com 105 anos, como sua bisavó, vai ter o resto da vida para arrepender. Como pode? Trocou minha companhia por um fim de semana com o caçula e na hora H não está presente; para chamar o SAMU, segurar minhas mãos, colocar uma vela em minha mão, rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria, claro! Se der tempo. Mas bem feito para mim, velho apaixonado ainda pela mesma mulher.

Um video tape roda sobre minha mente Já tenho quase sessenta, os homens de minha família já vem com data de validade, dos sessenta aos setenta. Acho que já está na hora, a minha hora. Como dizia meu pai: Homem tem que ter hora para morrer. Viver é bom só quando for por nossas próprias mãos. Assim vamos remando rumo ao ponto final. Se for pelas mãos alheias melhor morrer, assim descansa o doente e a família.

Olho o relógio, mais de meia noite, olho o ar condicionado 20 graus e eu suando frio em bicas. Penso pedir socorro. O Chico meu irmão é médico, mas está viajando com a família nas praias do nordeste. Não quero incomodar minha mãe, que mora ao lado, mas a velhinha já octogenária, não dá. Posso causar danos a ela. Dos meus filhos, além do caçula, que roubou minha companheira, o mais velho é médico, mas está longe em Brasília e o outro é veterinário está no momento, passando uns dias na casa da namorada. Quase me desespero. Tento recobrar a razão. Tenho que ser homem com H maiúsculo. Afinal, todo mundo tem sua hora e a minha parece ter chegado, mas pensando bem, morrer não deve ser nada bom. Se assim fosse o Filho do Pai, meu mestre, não teria clamado a Deus “se possível, afaste de mim este cálice”.

Tenho que ligar a outro irmão, ao SAMU. Ligar como? Sou avesso à modernidades, à tecnologia, meu celular vive sem crédito e descarregado, ou quebrado. Levanto, caminho pelo corredor da casa deserta. – Espere aí, não vejo nenhum túnel com sua luz ao final, nem meus antepassadas me esperando para ajudar a passagem. Pensei talvez não fosse minha hora, a expectativa de vida do brasileiro subiu para 72 anos. Será que vou morrer mesmo? Olhei atrás e avante, consultei minhas memórias. Preciso de mais tempo. Tempo de pedir perdão, tempo para amar. A oferta ao templo só vale se antes nos reconciliarmos com nosso irmão. E meu violão, quem vai tocá-lo? Emudecerá minha voz de taquara rachada, meu neto que ainda está por vir. Não, não, não é possível nunca mais ouvirei os trovões anunciando as chuvas regeneradoras, o cantar dos pássaros, o céu estrelado, as flores do cerrado, as comidas, o pequi, o caju, a mangaba, o empadão, o bolo de arroz, o pastelinho derramando doce de leite, o alfenim pregando no céu da boca, o frango com açafrão e o macarrão aos domingos. O Araguaia, meu regato, o meu sertão. Não, Não, não é a hora, preciso de mais tempo, de prorrogação para aparar as arestas e pedir perdão. De repente um estalo, eureca, me lembrei de algo graças a Deus como pude me esquecer. A dor não é gás, nem doença ruim, é muscular. Velho que não aceita sua condição, o corpo pena pelas extravagâncias. A dor é consequência do tambor de ração que carreguei por uns cem metros para tratar dos animais.

Relaxo, já não suo mais, deitei, dormi sono tranquilo e profundo.
Acordei no sábado cedo com batidas a porta da casa. Quem é? Respondeu: – É Domingo. Abri a porta era Mingo, com minha encomenda de pequi da Serra Dourada, o melhor pequi do mundo. Pobre Mingo, alma serviçal não mede esforços para agradar. Tomei um banho, peguei o violão cantarolei Leonardo Coel -aleluia, aleluia, dei vivas e vivas a vida. Agradeci a ela por não ter vindo ainda e que não venha tão cedo. Arrumei as coisas e fui para a fazenda aliviado, mas ainda com um ressentimento de meu filho caçula me roubar a mãe que só volta amanhã, no domingo.

09/12/17

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