Tradição de quase 300 anos, que vem desde a época medieval, a encenação reproduz a prisão de Jesus Cristo. Procissão surgiu em 1745 e se tornou patrimônio imaterial goiano em 2023
VÂNIO LIMIRO
Há quase 300 anos, A cidade de Goiás é a casa de uma manifestação religiosa de origem medieval, que resistiu ao tempo: a Procissão do Fogaréu.
Assim será novamente. Pouco antes da meia noite da quarta-feira (27), as luzes da cidade serão apagadas. Logo na saída, no Museu da Boa Morte, o grupo de farricocos vai apertar o passo para prender Jesus, num ritmo marcado pelos tambores, enquanto as tochas tingem de vermelho a escura madrugada.
Vestidos com roupas ritualísticas e carregando as tochas em chamas, descalços, eles vão até a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde vão se deparar com a mesa da Última Ceia já abandonada por Jesus e os discípulos. Os farricocos seguem então para a Igreja de São Francisco de Paula, que representa o Jardim das Oliveiras, lugar onde Cristo teria sido encontrado e preso.
Neste momento surgirá um estandarte com a imagem de Cristo e um toque de clarim anunciará que Jesus está preso e haverá um momento de silêncio. Depois disso, o bispo fará uma reflexão sobre o momento, rezará e encerrará a procissão.
O evento é único e emocionante, um espetáculo de fé e tradição que tem raízes profundamente cravadas na história da região e é uma das mais significativas manifestações religiosas da Semana Santa no país.
Origens e Significado
A Procissão do Fogaréu remonta ao século XVIII, quando foi iniciada pelos Jesuítas na então capital da Província de Goiás. A procissão reencena a busca e prisão de Jesus Cristo no Horto das Oliveiras, momentos antes de sua crucificação. Inspirada na passagem bíblica da traição de Judas, a procissão é uma representação vívida da perseguição a Cristo pelas autoridades romanas.
Na Cidade de Goiás, a primeira procissão ocorreu em 1745, quando o pároco do município na época, o padre espanhol João Perestelo de Vasconcelos Espíndola, trouxe o costume de sua terra natal.
O Evento
A procissão acontece sempre na noite de quarta-feira, antecedendo a quinta-feira santa, em meio às ruas estreitas e históricas da Cidade de Goiás. Homens encapuzados, chamados de “farricocos”, seguem pelas ruas empunhando tochas acesas, representando soldados romanos à procura de Jesus. O som dos tambores ecoa pelas vielas, criando uma atmosfera solene e intensa.
A Simbologia do Fogaréu
O ponto alto da procissão é o momento em que os farricocos iluminam o céu com tochas e fogaréus, criando uma cena impressionante e carregada de simbolismo. As luzes tremeluzentes contrastam com a escuridão das ruas de pedra, enquanto a multidão observa em silêncio reverente. Essa tradição é uma representação da busca espiritual pela luz divina em meio às trevas da humanidade.
Embora as interpretações possam variar um pouco entre os estudiosos e apreciadores da celebração, existe o consenso de que os farricocos representam os perseguidores de Jesus Cristo. Para algumas pessoas, os personagens simbolizam a população que contribuiu para a condenação do profeta. Para outras, os farricocos são os próprios soldados do exército romano que foram encarregados da prisão.
De qualquer forma, a caracterização excêntrica dos farricocos não surgiu do nada: as longas túnicas de cetim e o capuz pontiagudo em forma de cone, se parecem muito com certos trajes documentados na Idade Média. Na época, essas roupas e acessórios eram usados por penitentes – pessoas determinadas a pagar pelos próprios pecados – que desejavam cumprir com as obrigações religiosas da penitência sem revelar suas identidades.
Participação e Devoção
A Procissão do Fogaréu não é apenas um evento religioso, mas também um momento de profunda devoção para os fiéis que participam e para os moradores da Cidade de Goiás. A comunidade se une para preparar o evento, desde a confecção das vestimentas dos farricocos até a organização das ruas por onde a procissão passará.
Atração Turística
Além de sua importância religiosa, a Procissão do Fogaréu atrai turistas e estudiosos interessados em presenciar e entender essa tradição única. A cidade de Goiás, com seu centro histórico preservado e sua atmosfera colonial, oferece um cenário perfeito para a celebração desse evento.
A Procissão do Fogaréu na Cidade de Goiás é mais do que uma simples encenação religiosa. É uma celebração da fé, da história e da cultura de uma região rica em tradições.
À luz das tochas e do fervor dos participantes, os espectadores testemunham não apenas uma recriação histórica, mas sim um momento de conexão espiritual e reflexão sobre os mistérios da vida e da fé.
Os farricocos caminham pelas ruas da Cidade de Goiás – Foto: Júnior Guimarães e Lucas Diener/Secom-GO
