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O senhor dono da casa

É tempo de Folia de Santos Reis, uma tradição secular da cultura popular que é cheia de nuances e fé de sobra que faz com que atravesse gerações

 

RARIANA PINHEIRO

 

Roupas coloridas, gogó e uma fé capaz de motivar caminhadas cantarolantes pelas madrugadas da cidade que anunciam a chegada ao mundo do “Menino Deus”. O cortejo passa de casa em casa durante cerca de duas semanas. Faça chuva ou sol. Foi assim que a tradição secular das Folias de Reis chegou até os dias atuais.

Na Cidade de Goiás, assim como em diversos endereços do Brasil, sobretudo nos interiores, as folias de Reis percorrem a zona urbana e rural entre os dias 24 de dezembro a 6 de janeiro, o Dia de Reis. No último dia, em que inclusive, é comum desmontar as árvores de Natal, acontece o encerramento, com jantar, cantoria, catira, rezas e escolhido o novo festeiro.

O radialista Divino Ferreira, 69, conhecido na cidade como Rei de Ouro, é um nome conhecido que circulava junto entre as diversas folias de reis da Cidade de Goiás e Mossâmedes.

Na folia, cantou, tocou viola, dançou, aprendeu modas de viola e viveu momentos que deixaram lembranças inesquecíveis. “Hoje, por conta da idade, não rodo mais. Mas guardo essa época com muito carinho”, lamenta.

Porém, o interesse pela folia nunca o abandonou. Ao falar do tema, se empolga em recordar tudo que aprendeu nos quase 40 anos de gira. Ele, que mora no Setor Rio Vermelho, explica que na Cidade de Goiás, existem grupos que rodam “do outro lado do rio e do lado de cá¨. Segundo ele, cada folia tem seu horário de rodar. “As folias da roça, por exemplo, rodam durante o dia. Na Cidade de Goiás, muitos grupos saem a noite. Geralmente se reúnem por volta das 18h da casa de um morador que ofereceu o chamado pouso. Neste local, dançam catira, rezam o terço para abençoar a comida e cantam”

A saída ocorre por volta das 11h. A partir deste horário, os foliões percorrem um trecho no qual cantam de casa em casa, até o próximo pouso, onde chegam a partir das 3h da manhã. Lá cantam abençoam as comidas, deixam os instrumentos, para retornar na noite seguinte e repetir o processo.

O giro

A caminhada em direção ao pouso é sempre marcada por cantoria, benções e orações. “As pessoas que querem receber os foliões, devem ficar com as luzes apagadas e, no momento em que cantamos: ‘o senhor dono da casa, abre a porta e acende a luz’, que deve receber os foliões”, esclarece.

O radialista esclarece ainda que, após abrir a porta, a bandeira da folia é dada ao dono da casa, que percorre com ela por todos os cômodos da casa, com intuito de abençoar cada canto da residência. “Se o morador quiser que a gente entre, nós entramos, cantamos, dançamos catira e muitos oferecem café”, diz.

Uma curiosidade, que Rei de Ouro conta, diz respeito aos palhaços de folia – personagens que praticamente se perderam nas folias na cidade – e serviam como uma espécie de guardiões dos grupos. “Chegavam antes na casa, para saber se a família desejava receber a folia. Eles diziam: aceita folia? Aceita companhia? Aceita cantoria? Para abrir o caminho aos foliões. Nas folias de Mossâmedes. ainda existem”, ressalta.

 

Tradição

Foi em Mossâmedes., aliás, que Rei de Ouro nasceu e aprendeu a tradição das folias com o pai. Ele conta que não conseguiu passar adiante a tradição para as novas gerações da família. Porém, acredita que o costume sempre vai ficar vivo.

Com as folias ele conta que desenvolveu sua intimidade com os Santos Reis a ponto de saber os seus “mistérios”. °Santos Reis é milagroso, mas vingativo se desfazer da folia, ele cobra de você. Sempre fui de muita fé nele e recebi grandes bênçãos”, diz.

De onde veio

A história da origem da Folia de Reis está associada a uma tradição cristã, vinda de Portugal e Espanha e trazida ao Brasil no século XIX. É celebrada pela Igreja Católica como comemoração à visita dos três reis magos ao menino Jesus e costuma ter duração de 12 dias. Os três reis magos, Gaspar, Melchior (ou Belchior) e Baltazar, teriam avistado no céu a estrela de Belém e então foram ao encontro de Jesus levando incenso, ouro e mirra para presenteá-lo.

Os presentes levados ao menino Jesus possuem simbologia, já que o ouro representava a realeza, o incenso a divindade ou a fé e a mirra a imortalidade.

 

foto:  Patrícia Mousinho

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