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Ouro Fino ressurge para a história

Projetos de musealização e tombamento vão permitir que o sítio arqueológico de Ouro Fino se transforme em um museu a céu aberto no local que é berço da Cidade de Goiás

 

VÂNIO LIMIRO

 

O mais importante verso da letra de Chico Mineiro deixa bem claro a inspiração goiana na composição: “Fizemos a última viagem, foi lá pro sertão de Goiás; fui eu e o Chico Mineiro, também foi o capataz. Viajamos muitos dias pra’ chegar em Ouro Fino, aonde nós “passemo” a noite numa festa do Divino. A festa “tava” tão boa, mas antes não tivesse ido; o Chico foi baleado por um homem desconhecido. Larguei de comprar boiada, mataram meu companheiro; acabou-se o som da viola, acabou-se o Chico Mineiro”.

Assim como na história da canção imortalizada nas vozes de Tonico e Tinoco, acabou-se, há muito tempo, o Arraial de Ouro Fino. Do lugar sobraram ruínas de onde brota um verdadeiro tesouro histórico que transporta quem ali chega para uma época de ouro, prosperidade e mudanças.

Pedaços de paredes de uma igreja insistem em permanecer de pé para lembrar a existência de um povoado do século 18, que remete às origens das primeiras vilas goianas, iniciado por causa da busca do ouro pelos primeiros bandeirantes. Com o passar do tempo, o povoado foi sendo desocupado até não ter mais nenhum morador. Sua história é fascinante e leva a compreender a importância desse lugar para a região.

Ao longo dos anos, o arraial enfrentou desafios e mudanças, o que acabou levando ao seu desaparecimento. No entanto, graças à iniciativa de transformar suas ruínas em um museu a céu aberto, o Arraial de Ouro Fino agora ressurge, trazendo consigo toda a sua história e memória.

Para criar o museu a céu aberto, o Iphan fez um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com uma mineradora que, para efeito de compensação ambiental, investiu R$ 1 milhão no patrimônio arqueológico Ouro Fino. O projeto é a assinado pela arquiteta Noêmia Caiado, gerente de Fiscalização e Manutenção do Patrimônio Cultural da secretaria estadual de Cultura.

O projeto contemplou ações com o escoramento e a consolidação das ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, instalação de alambrados, passarelas, placas informativas, bancos de concreto, plantio de árvores e gramado.

“É muito relevante o que foi feito recentemente para preservar a história do lugar, porque, na verdade, não foi só a musealização. Por exemplo, como são paredes de adobe, com a chuva e o vento tudo vai acabando ao logo do tempo. Então é preciso ações permanentes, pois, para preservar as paredes, além do escoramento, a cada seis meses é aplicada uma resina para evitar a corrosão.

Noêmia explica que as ações visam preparar o local como um verdadeiro museu a céu aberto. “A musealização permite interagir o público com o museu. Existem placas sinalizadoras em que o visitante vai andando, vai lendo e é levado a pensar como era antes. Essa foi nossa intenção; que o público entre ali e entenda a história do lugar. As ruinas do arraial são a memória de um estado, de uma cidade, de um povoado”, lembra a arqueóloga.

O conteúdo histórico-informativo levantado pelo Iphan e Secult na ação de preservação do antigo arraial levou em conta estudos realizados em 1997 e 2000 pelo arqueólogo Marcos André Torres de Souza e, em 2010, pela arquiteta e urbanista Laura Ludovico de Melo. Torres comandou escavações que revelaram o traçado urbano de Ouro Fino e elaborou um mapa das ruínas, identificando ruas, largos, acessos e alicerces.

Já Laura Ludovico revelou o entendimento de como essa paisagem urbana se fixou na memória de pessoas que viveram ali. Em seu trabalho, a arquiteta reconstituiu edificações como a Igreja de Nossa Senhora do Pilar e o Seminário Santa Cruz.

As ruínas de Ouro Fino estão cadastradas no Iphan como sítio arqueológico. O Governo de Goiás iniciou o processo de tombamento no dia 24 de julho de 2021, quando o Conselho Estadual de Cultura aprovou relatório elaborado por equipes da Secult. O tombamento provisório é automático, mas para que haja o definitivo são necessários pelo menos 60 meses de trabalho. O processo está em fase de pesquisa e documentação para a elaboração do dossiê.

Rota Turística

As ruínas do Antigo Arraial de Ouro Fino irão compor os 300 quilômetros do Caminho de Cora Coralina, trilha que atravessa as cidades históricas de Corumbá de Goiás, Pirenópolis, São Francisco de Goiás, Jaraguá e a cidade de Goiás, além de abranger também os municípios de Cocalzinho de Goiás, Itaguari e Itaberaí.

Na história

Fundado por volta de 1727 por Bartolomeu Bueno da Silva Filho durante a corrida ao ouro no Rio Uru, Ouro Fino alcançou prosperidade e tinha muitos moradores. A decadência veio na segunda metade do século 20. Laura Ludovico relata que um dos fatores que levou o local ao abandono foi a transferência para a então Bonfim, hoje Silvânia, do Seminário Santa Cruz. O prédio tinha sido construído em 1892 pelo bispo dom Eduardo Duarte da Silva e servia de estância de férias para seminaristas.

A Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em cujo largo ocorriam as festas religiosas, e o Seminário Santa Cruz, foram as duas grandes edificações de Ouro Fino. O pouco que sobrou por lá são restos do templo religioso, do cemitério atrás dele e de algumas residências. Na estrada, a cruz atribuída a Chico Mineiro também é uma referência.

A triste canção relata a morte de Chico Mineiro num tiroteio, durante uma Festa do Divino. A festa, esta sim, fazia parte do calendário religioso de Ouro Fino.

Imagem: Reprodução

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